confissões de uma mente sem lembranças
(ou brilho eterno de uma mente perigosa)

segunda-feira, julho 02, 2007

Devolução

_Você já sentiu febre de amar?_ Eló perguntou.

Não para mim; para ele, do meu lado. Que ficou duma cor próxima de vinho até onde pude discernir (prestaria mais atenção, não estivesse eu também de alguma dessas tonalidades de rosto quando arde). Eló esqueceu que era personagem e riu do nosso embaraço por uma fração tão curta de segundo que achei que foi impressão. Daí pôs a mão na testa dele _Você já sentiu?_ e continuou:

_Porque o que eu sentia por ela fazia a pele queimar.

Estávamos perto do palco dum jeito que éramos praticamente cenário, junto com as pêras no chão (o cenário eram quatro pêras no chão e só). Ele tinha me dito que não queria a primeira fila, que teatro pequeno é um risco. Mas a gente ficou nela e foi por isso que a gente viu, nesse instante, a um metro, se tanto, os olhos de Eló ficarem molhados até enxotar uma lágrima _daquelas gordas, que quando vê escaparam lá pro meio da bochecha, inspecionando um canto de pescoço para refúgio.

Eu não podia manifestar muita coisa _éramos literalmente cena agora_, então cravei as unhas na mão dele, do meu lado, como se houvesse uma mísera chance de ele não ter visto aquilo (e sorte dele que meus dentes cumprem essa feia e infalível função de manicure, ou corria o risco de lhe arrancar também umas lágrimas no ímpeto).

Eló devolvia ali, em moeda mais vultuosa, como quem ainda não julga quitado, os R$ 30 cobrados mais cedo a cada um dos gatos pingados da sala. Foi um momento apenas e a prova material evaporou. Durou três segundos; quatro, com sorte. E, ainda que aquilo fosse tudo, entendi que já estávamos em dívida do lado de cá.

1 Comments:

Blogger Guilherme said...

muito, muito bom..

foi assim, é sim. Era o Eló, as pêras e nós, as maçãs, rs..

3/7/07 11:39 AM

 

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