confissões de uma mente sem lembranças
(ou brilho eterno de uma mente perigosa)

quarta-feira, agosto 29, 2007

Memórias de uma insone

Estava dormindo em pé muito antes de ir pra casa, ainda no restaurante, equilibrada pela boa educação que permite diálogos civilizados em situações de sonolência explícita. No cinema, soubemos que a sessão das 22h havia sido cancelada; um galho qualquer na projeção. Não tive tempo de achar absurdo, o corpo disse "eba!" e me incentivou a chegar logo em qualquer lugar mais aconchegante. Na noite anterior tinha dormido, se tanto, das 2h às 7h _porque os meus dias andam com vazamento de horas.

Do elevador do meu prédio, calculei o ritual até a cama: rosto, dentes, roupa, despertador; daria uns cinco minutos. Mas na cena seguinte já estava jogada no sono, de calça jeans e tudo (algo de que não lembraria não fosse a seqüência posterior, mas, enfim, estava dormindo, de calça jeans e tudo, sem consciência disso).

Só notei que tinha apagado por uns minutos quando tocou o celular. E me dei conta de que, agora, estava presa a um fiapo de sono, frágil e fugidio, que planejava escapar na primeira deixa. O corpo tinha descansado o que precisava para deduzir que já estava ótimo, que os olhos não mais pesariam nem os bocejos interfeririam em eventuais eventos sociais, por improváveis que fossem àquela altura. Ao revirar na cama, entendi que não tinha tirado a roupa, porque o capuz do casaco tentou me enforcar. Espiei o visor e era um telefonema que eu não precisava atender (coisa de trabalho, para o que, às 23h, existe caixa postal) e que, portanto, não atendi. Mas era um maldito toque de celular ladrão de sono. O fiapo de preguiça foi sumindo até virar alerta.

Quando o sono desobedece, um leitor compulsivo sabe, não tem TV que possa fazê-lo voltar. Catei o último McEwan, imaginando que, da página 59, onde estava, chegaria até a 65 antes de voltar a dormir. Alcancei a página 128, e a história acabou. Não bastasse escrever um livro curtinho, McEwan passou quatro quintos dele descrevendo uma única noite para engatar vertiginosos 40 anos nas páginas derradeiras. O sono, coitado, às 2h20, esquecido fazia tempo, agora ainda brigava com a absoluta consciência de reconhecer nuances de genialidade.

Na falta de algo monótono para ler fui atrás de um Naldecon ou um Dramin na farmacinha do banheiro, que, se alguém desconhece, são o Lexotan de pobre. Lembrei que tinha acabado com eles na última insônia. Então peguei a bio do Sartre e da Simone de Beauvoir, ainda fresca na estante. Porque a gente tem idéias erradas quando não está no domínio da situação. Sentir sono justo com a vida de Sartre?

Cento e trinta páginas e três horas depois, às 5h30, pensei que ou eu apagava a luz, a despeito de o sono ainda estar amotinado, ou o dia clareava antes de eu vencê-lo. Não lembro como acabou, o que me faz deduzir que, seis horas depois do telefonema dos infernos (literalmente), dormi. Só sei que hoje o celular acordou no silencioso. E que vai ficar assim por alguns dias, afônico. De castigo.

2 Comments:

Blogger Fernando Brito said...

Quando você falou em Naldecon e Dramin pensei que ia ler as bulas... Inocência minha...

10/9/07 1:46 AM

 
Blogger raq c. said...

pare de encontrar duplos sentidos na continuidade das minhas frases! :-P

11/9/07 12:28 AM

 

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