confissões de uma mente sem lembranças
(ou brilho eterno de uma mente perigosa)

segunda-feira, julho 23, 2007

De bebo vaia não vale

Com tanta loucura, as vaias do Lula já cheiram a notícia velha, e nem foi nelas que pensei no começo. A bem da verdade, quase não consegui ouvi-las (Se dependesse do Pan, eu não teria notícia, mesmo. Mas, na época, que agora parece há tanto tempo, elas ecoaram tanto que fui atrás). E quase não consegui por uma questão que não entra nenhum mérito além deste: vaia é um negócio que dói no ouvido.

É que faz poucos dias apenas que notei, quatro andares abaixo, a foto famosa do João Gilberto dando língua para o público na inauguração do Credicard Hall, nos anos 90. Legenda: "Vaia de bêbado não vale", a frase que acompanhou sua reação pueril e com a qual Tom Zé batizaria a música feita em defesa do conterrâneo após o incidente. Nunca vi a cena, mas não precisa ser muito entendido para sacar que tal rejeição da platéia veio depois de João Gilberto ser chato como poucos têm direito de ser, de um público que, convidado para o evento, certamente desconhecia estar lidando com um desses poucos.

Não achei no YouTube. Mas tem lá um outro registro, não-datado (abaixo, que ainda não sei postar no meio do texto). Começa com João Gilberto no banquinho-padrão, com o violão de lado e as mãos no joelho, a cabeça levemente pra frente, como quem tenta escutar direito. Ouvem-se vaias e assobios. Vaias nunca são unânimes, e a gente sofre também, tentando decifrar. Ele aperta os olhos, tipo míope quando quer ouvir melhor, ameaça falar, pára e fala. "Peraí, escuta. É vaia, é aplauso...?" Recado entendido, levanta e sai _como já deve ter feito um sem-número de vezes por muito menos que isso. É uma dessas imagens que depois ficam insistindo na memória da gente.

O vídeo é antigo, antigo, embora menos histórico que a situação que inspirou a defesa de Tom Zé. Daí passam-se mais uns anos e acaba que Tom Zé vira vítima, ele próprio, de vaias de bêbado _ou, no caso, de mal-educados, mesmo. Está no documentário "Fabricando Tom Zé", que segue uma turnê dele pela Europa e torna a cena familiar: o baiano chega no país em que vai se apresentar, cata um tradutor, senta do lado e vai batalhando uns versos na língua que desconhece para fazer uma canção-agrado. Considerando que, na média, gringos aprendem a dizer "obrigado" e a gente se dá por satisfeito, é uma generosidade.

Mas é uma visão muito nossa, talvez. Na França, chega um momento em que a platéia não acha graça. Ouve Tom Zé estraçalhando a pronúncia e reage feio. A gente vê Neusa, a mulher dele, padecendo junto. Depois, no camarim, ela conclui: "Foi o francês. Eles ficaram putos".

Lembrei-me de tudo isso antes de os acontecimentos da semana passada atropelarem minha capacidade de cognição. Mas foi então que tive conhecimento de uma resposta que achei mais contundente do que qualquer vaia: as palmas irônicas para o Marco Aurélio Garcia pós-papelão na Globo. Taí, aplausos críticos. Na escala de protestos imagináveis, achei esse o mais interessante dos últimos tempos.