confissões de uma mente sem lembranças
(ou brilho eterno de uma mente perigosa)

segunda-feira, abril 17, 2006

Manias? Que manias?

Faz horas que estou aqui, numa tarde de folga, atada pelo frio, por uma rinite que quer ser gripe, pela preguiça que Deus me deu de sobra e pelo computador, e foi justamente o computador que me fez lembrar do desafio que a Nina levantou faz uns dias. Na verdade, é basicamente uma corrente e serei obrigada a meio que quebrá-la por um motivo tão óbvio: como boa blogueira de araque, tenho amigos blogueiros de araque (entendendo como blogueiro de araque aquela pessoa que deixa passar um mês entre um post e outro), e não somam cinco os que ainda escrevam qualquer coisa que seja. Ahn, posso explicar do início?

É assim: você escreve sobre cinco manias suas e escolhe cinco amigos para que listem as deles. Só que não tenho cinco leitores, que dirá cinco leitores com blog, que dirá mais ainda cinco leitores que acreditem que só escrever no blog salva. Então, deixarei a critério dos blogueiros de araque, como eu, a intimação para levar isso adiante. Lá vamos nós, começando pela mania que me fez lembrar do desafio:

1) Eu viro autista na frente do computador.
Por favor, tenha modos e não diga que sou autista o tempo todo. Eu acredito que é um mal que só me acomete quando estou na frente da tela. É uma evolução da minha compulsão com o enviar e receber do Outlook. Não tenho paciência com TV, mas posso ficar 24 horas na frente do computador sem fazer absolutamente nada útil. Também não aproveito o tempo para descobrir novos sites, o que seria um mérito. Entro nas mesmas páginas, checo e-mails, daqui a pouco volto para ver se alguma coisa mudou, se algum e-mail chegou. Se alguém fala comigo quando estou entretida, demoro alguns segundos para perceber e outros tantos para responder - em geral um "ahn..." ou "é...", que são o mesmo que nada. Diria que não é uma mania completamente inútil para quem não se dá bem com o telefone, como eu. O e-mail é minha forma indispensável de comunicação com o mundo.

2) Eu faço contas durante o jantar.
Tem gente que vai do luxo ao lixo sem perder a majestade. Eu levo a pobreza comigo aonde for. Posso estar no boteco mais sujo ou no Fasano (percebam que cito o lugar como se fosse algo corriqueiro, acho que pega bem). O silêncio que antecede a chegada da comida não é fome, são contas mentais. Não posso comer sem saber quanto vamos gastar na brincadeira, incluindo entrada, bebidas e 10%. Numa fase mais crítica, eu ia eliminando possibilidades conforme o preço. Superei isso, o que só me deixa mais pobre. Mas nunca sou pega de surpresa pelas contas, seja lá em que isso me ajude. Era mais feliz em Buenos, sem 10% e com vinhos que não dobram o valor da conta.

3) Eu atropelo as últimas páginas do livro.
Estou caindo de sono e descubro que faltam apenas 50 páginas para terminar meu livro. Veja bem: 50 páginas não são 20, que passam num segundo. Elas tendem a demorar bem mais que dois segundos, ainda mais quando se está com sono. Só que elas são as páginas conclusivas, as mais importantes de todas, as que me fizeram antes ler 200 ou 400, e elas não podem ser divididas no meio. Eu não posso dormir antes de saber o final, porque será muito muito frustante acordar com dez páginas para ler antes de começar outro livro. Então, vou brigando com o sono, atropelando frases, voltando parágrafos depois de perceber que li tão rápido que absorvi apenas uns 15% da informação. Quando termino, percebo que entre sono e ansiedade ler aquelas páginas foi muito mais um sacrifício que um prazer.

4) Eu saio da loja se o vendedor é insistente.
Minha paciência com vendedores é bastante limitada. Se em vez de pobre eu fosse dona de loja, deixaria claro: aproxime-se apenas do cliente que está na loja faz mais de 30 segundos ou que olhou para você com olhos suplicantes. Se a pessoa chegou faz três segundos como quem tenta se esconder num canto, ou ela quer roubar a loja ou não quer ser incomodada. Eu não sei fazer a Haydée, fico com a segunda opção. Só que sempre, sempre, sempre vem alguém me interpelar depois de três segundos. Aí eu digo: "Estou só dando uma olhada, obrigada". Que é um recado bem óbvio. E, quase inevitavelmente, porque não devo ser clara, o vendedor diz: "Mas está procurando algo em especial?". Eu respondo: "Como falei, estou só dando uma olhada. Se precisar de alguma coisa eu peço ajuda." E saio dois segundos depois, para deixar bem claro que fiquei irritada, mesmo que tenha descoberto naqueles cinco segundos a roupa dos meus sonhos. Tá, mentira, nunca descobri a roupa dos meus sonhos em cinco segundos.

5) Eu corrijo, corrijo, corrijo.
Sou relapsa em um bilhão de aspectos, mas sou doente com detalhes que texto que não necessariamente possam fazer diferença. Isso vale para o que publico no blog, para o que escrevo na revista, para o que leio em qualquer lugar e até para o que ouço na TV. Não posso deixar viúvas num texto - e o primeiro parágrafo do post abaixo quase me matou com suas duas palavrinhas na última linha. Eu abomino repetir expressões quando existe um sinônimo possível. Não posso ouvir ninguém dizer: "Eu tenho certeza que" sem pensar: "Não! Você tem certeza de que!". Eu sofro quando mando algum e-mail com erro de português, e isso acontece com uma freqüência maior do que eu gostaria. Eu morro lentamente por coisas pequeninas, sendo que meus reles conhecimentos gramaticais deixam um rastro de milhares de lapsos por onde quer que eu escreva. Dou graças por não conhecer mais regras. A gente é sempre mais feliz quando sabe menos.

quarta-feira, abril 12, 2006

Picuinhas

Quem não tem o poder de transformar 24 horas em uma temporada precisa de método para fazer mais coisas do que o relógio deixa. Foi por isso que eu, pessoa sem capacidade metódica, fiquei feliz ao ter uma reles idéia que permitiria um aproveitamento fantástico de tempo num dia impossível.

Eu precisava tirar umas xerox enormes e achava que não conseguiria porque saio da faculdade voando para o trabalho. Então pensei: no intervalo da aula, passaria na xerox para pedir cópias do monte de textos que o professor deixou na pasta. Correria para a biblioteca da outra faculdade, no prédio ao lado, para mandar xerocar uma tese de lá. Deixaria tudo pago e voltaria para a sala. Uns dez minutos depois, daria uma saída como quem vai atender a uma ligação para pegar as primeiras xerox, perto da sala, e sem as filas dos intervalos. De volta à classe, esperaria meia hora, tempo em que a lista de presença chegaria a mim, e estaria livre para pegar o outro texto na biblioteca a tempo de me enfiar num táxi e chegar no trabalho... Tá, meio atrasada. Era um plano cheio de futuros do pretérito, mas tudo estava dando certo. Às 11h30, juntei minhas coisas e saí da aula para a última pendência.

Cheguei na biblioteca e lembrei que não poderia entrar com as bolsas. O responsável pelos armários era um baixote magrelo com cabelo lambido e cara de poucos amigos, mas se tivesse aquela cara eu também teria poucos amigos. Fui até ele com minha expressão mais sofrida. "Por favor, tenho de ir na xerox pegar um texto, já está pago, é coisa de dez segundos, posso deixar minhas bolsas aqui em cima do balcão?".

Ele me olhou com toda aquela cara infeliz que a natureza lhe deu. E fez um não lento, silencioso. E, tenho certeza, prazeroso. Por seu emprego de merda permitir lampejos de infelicidade em pessoas com menos azar na vida. Insisti. Não deu jeito. "Preciso da identidade para dar a chave de um armário, se você quiser entrar", respondeu.

Bufei, revirei os olhos e dei a identidade. Ele enrolou, enrolou, teve a manha de demorar até para decidir que chave pegar. Arranquei da mão dele, fui que nem criança batendo os pés no caminho até o armário, bati a porta, bati os pés até a xerox. Peguei as cópias e, na volta, pensei: "Deixo a chave como se não tivesse rolado nada?". Catei minhas bolsas e fui até o balcão. A chave fervendo na mão. Três metros, dois...

E joguei a chave no balcão. Não me pergunte: eu não pensei, apenas joguei. Ela foi deslizando, bonita, por todo o balcão, lentamente, indo, indo... Até cair no chão, do outro lado. Achei que estava mal-educado o bastante. Não precisava dizer nada. Virei e saí. Gostei de pensar que ele teria de levantar a bunda da cadeira, cheio de rancorzinho, para pegar a chave no chão. Enquanto ia embora, congratulei-me por aquele desaforo de quem não engole sapos, pela pequena resposta às picuinhas do mundo. Como se ela se estendesse a todos os infelizes que ficam felizes ao atrapalhar os outros. Senti um lampejo de felicidade.

Aí lembrei que tinha deixado minha identidade com ele.