confissões de uma mente sem lembranças
(ou brilho eterno de uma mente perigosa)

terça-feira, dezembro 27, 2005

Boa noite, 2005

O cartão amarelo por faltas não me impediu de deixar o trabalho da USP para os segundos finais da prorrogação. Tocada pelo clima natalino, a professora ameaçou desconsiderar tanta ausência se o artigo ficar, hum, excelente. Como faltam menos dias que páginas a escrever, quero crer que o conceito de excelente varia conforme o espírito de fim de ano preenche o coração de cada um. Claro: a perspectiva de escrever encavalou com o fechamento da revista e as folgas intercaladas de fim de ano. Na dúvida, não faço nada. Ou melhor, folgo.

terça-feira, dezembro 20, 2005

no pain no... ahn... pain?

As férias coletivas não estavam previstas. O corpo achou que era piada e reagiu. Fui liberada na quarta, e planejei preguiçar na quinta antes de pensar em resolver pendências. Automaticamente, ganhei minha sauna particular. Uma febre pessoal com gripe transferível.

É curioso descobrir estágios da doença enquanto o Naldecon brinca de ser placebo. Na quinta, a garganta entregou os pontos. Na sexta, um espancamento mental deixou o corpo dolorido. No sábado, rolou uma festa techno dentro dos ouvidos. No domingo, o pulmão pediu arrego para a asma. Hoje, virou pneumonia. Pela lógica, amanhã vem a tuberculose. Para o Natal, pedi um nariz. Espero que alguém de bom coração me dê um pulmão bom de presente.

E não venham me dizer que o problema está na minha veia dramática.

quarta-feira, dezembro 14, 2005

Run, Raq, run

Tem aquele segundo em que a gente precisa pensar numa atitude que vai definir os intermináveis minutos seguintes. Nesse segundo, eu tenho por costume tomar a decisão errada.

Ontem, voltando da Abril, resolvi passar na Braz para levar uma pizza para o Gui. Pus os pés na entrada, e, à primeira mesa, estava a Bia, uma produtora que me passou alguns dos frilas da minha fase Rê Bordosa de trabalhar em casa. Ela é amicíssima da tia do Gui, que foi a responsável por eu conseguir os frilas.

Pensei por um segundo. Entro? Ela me viu. O segundo já tinha passado, e a solução, com ela lá me olhando, foi entrar. Falei que estava só de passagem para pegar uma pizza para viagem. Ela disse para eu sentar à mesa com ela enquanto esperava e me apresentou à amiga: "A Raq é sobrinha da Ana".

Para começar, a Ana é a tia do Gui. A questão é que nem a conheço pessoalmente. Quando quis fazer frilas, nos falamos por email, e a Ana disse que eu poderia me apresentar como sendo recomendada por ela. Não menti, argumentaria meu mea culpa num tribunal.

Senti o rosto esquentar e aceitei um copo de cerveja. A amiga da Bia perguntou. "A Aninha? O que ela tem feito?". Pela segunda vez em três minutos, tive um segundo para pensar. Respondi: "Só a conheço por email." A Bia, que por um mês me arrumou frilas diversos graças à recomendação da Ana, abriu os olhões. "Você não conhece a Ana?".

Daí para a frente, meu rosto estava em chamas. Chamei o garçom e apontei aleatoriamente no cardápio dois sabores de pizza, para agilizar o pedido. A Bia não se apegou ao fato de eu não conhecer a Ana, mas, naquele papo superficial de quem não se conhece bem, a frase "Só a conheço por email" me parecia uma espinha cheia de pus na ponta do nariz.

A pizza chegou, paguei, levantei, agradeci, saí. Pelo que me lembre, foi só então que respirei.

No próximo segundo em que precisar pensar, eu corro.

Um dia

Inventaram de marcar minha consulta para 9h30 em Santa Cruz, aquela que é tipo a antepenúltima estação do metrô nos confins da zona sul. Minha única certeza era de que tinha sono. Cochilei antes e depois de fazer a baldeação. Acordei na estação Jardim São Paulo, aquela que é tipo a antepenúltima estação do metrô nos confins da zona norte. Como o que não tem remédio remediado está, conforme dita a enciclopédia dos chavões, aproveitei para dormir na volta aos confins da zona sul.

Três cafés depois, no trabalho, uma fração burra de segundos me fez recusar um convite para almoçar em nome de um pacote de polvilhos. Foi quando eu soube que estavam dando uns livros de jabá na Bravo. Eram daqueles que ninguém quer, e por isso encontrei preciosidades. Como um policial de Aguinaldo Silva e outro que salvou meu humor pelo resto do dia: A História Verdadeira, de Michael Finkel. Aconteceu mesmo: Finkel foi demitido do New York Times Magazine por inventar uma história e estava prestes a ver seu nome de jornalista ir nacionalmente por água abaixo quando descobriu que seu nome de jornalista estava de certa maneira internacionalmente na sarjeta _era o codinome usado por assassino para se esconder no México. Só li 50 páginas e é cedo pra dizer que me lembra Truman Capote, mas eu tendo mesmo a exagerar.

Eu não tinha nem folheado o livro quando descobri que o poder do estufamento dos polvilhos arrefecia conforme se aproximava a hora da reunião com os chefes. No meio deles, na sala abafada e silenciosa, ouvi meu estômago roncar. As discussões se estendiam. Ninguém sabia como "aproximar a revista do assinante". Entre um e outro ronco do estômago, tive uma idéia e falei. Uma, duas, três vezes. A sala não estava mais silenciosa, e a chefia, entretida em suas discussões, não me ouviu. Porque sou pobre e faminta. Resolvi tomar uma atitude e comecei a desenhar carinhas no bloco para passar o tempo.

O tempo estava passando quando outra pessoa deu uma idéia. A minha idéia. Aquela de antes das carinhas no bloco. E a minha idéia que a outra pessoa deu foi considerada genial por todo mundo. Fiquei desnorteada. Os outros enaltecendo a minha idéia que a outra pessoa deu depois de mim foi um estupro. A minha idéia não era mais minha. Quando meu norte voltou, a fome veio também, e não havia carinha no bloco que fizesse o tempo passar.

Na volta pra casa, começou a chover. Desci do ônibus perto da Paulista para pegar outro, mas era tanta água que achei mais seguro ficar por ali um tempo. Claro que estava errada. Para um filme, seria clichê: passou um ônibus na pista de trás e me encharcou dos pés ao meio das costas. A sorte foi o meu livro do jornalista maluco, que me distraiu como um mantra saudável. Resolvi pegar um ônibus e descer na Amaral Gurgel, movida pela insensatez de um estômago (ainda) vazio. Ao descer, me vi presa pela chuva entre mendigos debaixo do Minhocão. Faminta no meio da fome e lendo o livro do jornalista maluco. Salva por uma velhinha fofa que ofereceu carona de guarda-chuva, preocupada com minha doce figura de mocinha ingênua no meio dos mendigos malvados do Minhocão.

Cheguei a uma padoca, pedi uma cerveja, um PF, acendi um cigarro, reabri o livro e achei tudo aquilo ótimo. Assim que a chuva diminuiu, fui pra casa escondendo os livros na sacola furada que a moça da padoca me deu, batendo os dentes de frio, tipo caveirinha, com a bexiga num estado que estendia infinitamente o caminho, e achei tudo aquilo péssimo.

Agora estou aqui quentinha, prestes a dormir o sono que a semana inteira me roubou.

E o que foi mesmo que me tirou o bom humor durante o dia?

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Relatório

Desci para almoçar com Saramago. Quis sentar sozinha, mas não havia mesa em que isso fosse possível. Achei um espaço entre engravatados e moças de saltos finos. Distraí. O monte de gente lembrou a chegada em Sampa e a primeira impressão do prédio do Jaguaré. Ainda estou sem email e não há muita coisa para fazer. Somos um cercadinho jogado no meio das semanais, embora sejamos mensais. Tem uma garota aqui do lado que se chama Raquel. Toda vez acho que é comigo. Pelas janelas, dá para ver que ainda é dia.