confissões de uma mente sem lembranças
(ou brilho eterno de uma mente perigosa)

segunda-feira, julho 30, 2007

Se uma petropolitana numa noite de inverno

Se coloco as luvas, não cnsigo digi9tar direiot. Se tiro, os dedos gelam de um jeito que as articulações parecem até encabuladas. Disse o ClimaTempo que ficaria entre 5ºC e 17ºC, mas eu não acredito em nenhuma temperatura com mais de um dígito hoje.

No geral, o apê nem é frio, acho. Passei a presumir isso porque dormi ontem com um só edredon e depois ouvi relatos de gente que pensou em virar a noite abraçado no aquecedor. Mas o quarto do computador fica aqui do lado onde não bate sol nunca e de onde vem o vento encanado, rua acima. Daqui tem vista para a torre de transmissão de TV perto da Paulista, aquela que segundo o "Fantástico" está 80 m acima do permitido, na rota de aviões, embora eu não me recorde de aeronaves passeando por aquelas cercanias. O máximo que consigo conjecturar é que deve ser ainda mais frio lá do que é aqui.

Foi essa a média de temperatura que conheci dos 0 aos 17 _antes de me mudar praquela capital em que a gente sai do banho sem saber o que ainda é vapor e o que já é suor_ e com que voltei a conviver ao me instalar aqui, faz oito invernos. Só que na serra o ar pelo menos tinha a coerência de ficar quieto. Nos meus primeiros tempos por aqui, a analogia para o vento de julho eram lâminas cortando a pele, várias delas, uma depois da outra. (Hoje a comparação me faz lembrar da minha mãe, para quem cereja tem gosto de formiga. Como é que a gente sabe o gosto de formiga ou a dor de várias lâminas na pele para poder comparar?). É que não era só frio como em Petrópolis; em São Paulo, o ar frio vem em carreirinha, um monte de tapas na cara.

Ao falar disso agora, na (assim batizada por mim) noite mais gelada do ano, tenho a impressão de que, um pouco que seja, a gente acaba se habituando. O frio ainda dói um bocado, mas não corta mais.

Ou talvez seja mais fácil aceitá-lo com a perspectiva de um abraço.

segunda-feira, julho 23, 2007

De bebo vaia não vale

Com tanta loucura, as vaias do Lula já cheiram a notícia velha, e nem foi nelas que pensei no começo. A bem da verdade, quase não consegui ouvi-las (Se dependesse do Pan, eu não teria notícia, mesmo. Mas, na época, que agora parece há tanto tempo, elas ecoaram tanto que fui atrás). E quase não consegui por uma questão que não entra nenhum mérito além deste: vaia é um negócio que dói no ouvido.

É que faz poucos dias apenas que notei, quatro andares abaixo, a foto famosa do João Gilberto dando língua para o público na inauguração do Credicard Hall, nos anos 90. Legenda: "Vaia de bêbado não vale", a frase que acompanhou sua reação pueril e com a qual Tom Zé batizaria a música feita em defesa do conterrâneo após o incidente. Nunca vi a cena, mas não precisa ser muito entendido para sacar que tal rejeição da platéia veio depois de João Gilberto ser chato como poucos têm direito de ser, de um público que, convidado para o evento, certamente desconhecia estar lidando com um desses poucos.

Não achei no YouTube. Mas tem lá um outro registro, não-datado (abaixo, que ainda não sei postar no meio do texto). Começa com João Gilberto no banquinho-padrão, com o violão de lado e as mãos no joelho, a cabeça levemente pra frente, como quem tenta escutar direito. Ouvem-se vaias e assobios. Vaias nunca são unânimes, e a gente sofre também, tentando decifrar. Ele aperta os olhos, tipo míope quando quer ouvir melhor, ameaça falar, pára e fala. "Peraí, escuta. É vaia, é aplauso...?" Recado entendido, levanta e sai _como já deve ter feito um sem-número de vezes por muito menos que isso. É uma dessas imagens que depois ficam insistindo na memória da gente.

O vídeo é antigo, antigo, embora menos histórico que a situação que inspirou a defesa de Tom Zé. Daí passam-se mais uns anos e acaba que Tom Zé vira vítima, ele próprio, de vaias de bêbado _ou, no caso, de mal-educados, mesmo. Está no documentário "Fabricando Tom Zé", que segue uma turnê dele pela Europa e torna a cena familiar: o baiano chega no país em que vai se apresentar, cata um tradutor, senta do lado e vai batalhando uns versos na língua que desconhece para fazer uma canção-agrado. Considerando que, na média, gringos aprendem a dizer "obrigado" e a gente se dá por satisfeito, é uma generosidade.

Mas é uma visão muito nossa, talvez. Na França, chega um momento em que a platéia não acha graça. Ouve Tom Zé estraçalhando a pronúncia e reage feio. A gente vê Neusa, a mulher dele, padecendo junto. Depois, no camarim, ela conclui: "Foi o francês. Eles ficaram putos".

Lembrei-me de tudo isso antes de os acontecimentos da semana passada atropelarem minha capacidade de cognição. Mas foi então que tive conhecimento de uma resposta que achei mais contundente do que qualquer vaia: as palmas irônicas para o Marco Aurélio Garcia pós-papelão na Globo. Taí, aplausos críticos. Na escala de protestos imagináveis, achei esse o mais interessante dos últimos tempos.

segunda-feira, julho 02, 2007

Devolução

_Você já sentiu febre de amar?_ Eló perguntou.

Não para mim; para ele, do meu lado. Que ficou duma cor próxima de vinho até onde pude discernir (prestaria mais atenção, não estivesse eu também de alguma dessas tonalidades de rosto quando arde). Eló esqueceu que era personagem e riu do nosso embaraço por uma fração tão curta de segundo que achei que foi impressão. Daí pôs a mão na testa dele _Você já sentiu?_ e continuou:

_Porque o que eu sentia por ela fazia a pele queimar.

Estávamos perto do palco dum jeito que éramos praticamente cenário, junto com as pêras no chão (o cenário eram quatro pêras no chão e só). Ele tinha me dito que não queria a primeira fila, que teatro pequeno é um risco. Mas a gente ficou nela e foi por isso que a gente viu, nesse instante, a um metro, se tanto, os olhos de Eló ficarem molhados até enxotar uma lágrima _daquelas gordas, que quando vê escaparam lá pro meio da bochecha, inspecionando um canto de pescoço para refúgio.

Eu não podia manifestar muita coisa _éramos literalmente cena agora_, então cravei as unhas na mão dele, do meu lado, como se houvesse uma mísera chance de ele não ter visto aquilo (e sorte dele que meus dentes cumprem essa feia e infalível função de manicure, ou corria o risco de lhe arrancar também umas lágrimas no ímpeto).

Eló devolvia ali, em moeda mais vultuosa, como quem ainda não julga quitado, os R$ 30 cobrados mais cedo a cada um dos gatos pingados da sala. Foi um momento apenas e a prova material evaporou. Durou três segundos; quatro, com sorte. E, ainda que aquilo fosse tudo, entendi que já estávamos em dívida do lado de cá.